O Globo. Quinta-Feira, 22 de Setembro de 2011.
Segundo Caderno, Páginas 1 [Capa] e 2
André Miranda
andre.miranda@oglobo.com.br
Nos últimos cinco anos, o mercado audiovisual brasileiro vinha sentindo os reflexos da discussão de uma nova legislação das TVs por assinatura antes mesmo de sua aprovação. Falava-se pelos cantos o quanto um tal PL 29 poderia alterar a lógica da produção nacional, criando novos nichos, aumentando investimentos, protegendo as empresas geradoras de conteúdo e tendo impacto — positivo, para seus entusiastas, negativo, para os críticos — sobre os preços. O Projeto de Lei 29, então, tornou-se lei, a 12.485, sancionada há dez dias pela presidente Dilma Rousseff. Cercado de polêmicas, seu texto final obriga os canais por assinatura a exibir programas brasileiros através de cotas, flexibiliza as regras para se instalar TVs a cabo no país e aumenta o investimento financeiro do governo no setor, com a reserva de até R$ 400 milhões a mais para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). O montante é quatro vezes maior do que o FSA tem hoje e poderá ser usado para a produção de novas séries e filmes nacionais.
O debate sobre a mudança na legislação para se regular a TV por assinatura no Brasil chegou ao Congresso em 2007 com quatro projetos na Câmara de Deputados e um no Senado. Todos acabaram reunidos sob uma só proposta, o PL 29, do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC). Seu objetivo principal era atualizar a Lei da TV a Cabo, de 1995, possibilitando que as empresas de telecomunicação entrassem nesse mercado. A partir dali, foram realizadas audiências públicas nas duas casas e também no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O texto inicial mudou radicalmente em virtude das 440 emendas apresentadas e ganhou a forma que tem hoje no fim de 2009, quando seguiu para o Senado, onde não sofreu alteração. A proposição foi enfim aprovada em agosto, para ser sancionada pela presidente em 12 de setembro como a Lei 12.485, que está sendo chamada de Lei da TV por Assinatura.
— Houve 90% de consenso em torno do texto da lei. Há, claro, discordâncias em algum grau, mas o debate foi grande, envolvendo a sociedade e políticos de vários partidos — afirma Manoel Rangel, diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine). — O processo começou porque as empresas de telefonia passaram a estar mais próximas dos territórios dos serviços de comunicação e tinham interesse em conteúdo. As fronteiras entre comunicação e telefonia diminuíram. Era preciso, então, atualizar a legislação.
Expectativa de 23 milhões de assinantes em seis anos
A Lei 12.485, assim, trouxe quatro grandes mudanças para o setor (leia mais no quadro ao lado): um novo regime de outorgas, a criação de cotas na programação das TVs por assinatura, a regulação da atividade por parte da Ancine e o aumento no investimento através de novas linhas do Fundo Setorial do Audiovisual, que serão instauradas. O regime de outorgas atende justamente à razão inicial do projeto. Antes, a lei exigia licitação para que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) concedesse às empresas o direito de instalar serviços a cabo em cada cidade do país, a mesma regra para satélites e transmissões por micro-ondas. O processo poderia levar anos. De acordo com o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, há 500 empresas na fila para prestar o serviço. Por isso, hoje, apenas cerca de 230 dos mais de 5 mil municípios brasileiros têm TV a cabo. Com a 12.485, a instalação de serviços de cabo dependerá somente de uma autorização dada pela Anatel, o que, na teoria, deverá ser bem mais ágil. Isso, segundo o governo, aumentará a concorrência.
— Com mais competição, o consumidor poderá ter preços reduzidos e mais diversidade — diz Rangel. — Em 2007, quando a lei começou a ser discutida, cerca de 5 milhões de brasileiros tinham acesso à TV por assinatura no Brasil. Hoje, esse número já cresceu para 11 milhões. Com a nova legislação, o serviço pode chegar a 23 milhões de assinantes entre cinco e seis anos. Será um novo mercado.
Paralelamente ao novo sistema de entrega de serviços ao consumidor, a nova lei também vai aumentar a demanda por conteúdo nacional. Isso se dará de duas formas: a mais imediata será a criação de cotas de proteção ao conteúdo brasileiro, exatamente o ponto mais polêmico do projeto. Em seus cinco anos de tramitação, houve momentos em que se propôs que 50% da programação dos canais fossem reservados a títulos nacionais. Houve, ainda, propostas de que coubesse ao presidente da República a decisão de como seriam as cotas.
Paralelamente ao novo sistema de entrega de serviços ao consumidor, a nova lei também vai aumentar a demanda por conteúdo nacional. Isso se dará de duas formas: a mais imediata será a criação de cotas de proteção ao conteúdo brasileiro, exatamente o ponto mais polêmico do projeto. Em seus cinco anos de tramitação, houve momentos em que se propôs que 50% da programação dos canais fossem reservados a títulos nacionais. Houve, ainda, propostas de que coubesse ao presidente da República a decisão de como seriam as cotas.
O aprovado, porém, foi a obrigação de que os canais de filmes, séries, documentários ou animações tenham pelo menos três horas e 30 minutos por semana de produção brasileira em horário nobre. O mecanismo será instaurado progressivamente até 2014 — no ano que vem, será uma hora e 10 minutos; e em 2013, duas horas e 20 minutos — e valerá até setembro de 2023. Caberá à Ancine definir o que representa o horário nobre de cada canal, de acordo com seu perfil. A metade desses programas deverá ter sido produzida sete anos antes da veiculação.
Outra cota criada pela Lei da TV por Assinatura diz respeito aos pacotes ofertados aos assinantes. De cada três canais de filmes, séries, documentários ou animações, um terá que ser majoritariamente composto por conteúdo nacional. Ainda sobre os pacotes, há, também, uma terceira cota: ao se ofertar um canal jornalístico brasileiro ao assinante, a operadora deverá disponibilizar um outro canal com as mesmas características. Caberá à Ancine, num aumento de seu papel de agência reguladora, fiscalizar as ações.
As cotas foram responsáveis pelos maiores debates da nova lei, com detratores e defensores. Os primeiros alegam que o governo não deve intervir numa atividade privada. Já os segundos dizem que a prática servirá para aumentar as possibilidades da produção nacional.
— Nós vamos ter que lançar novos canais nacionais, mas eles não existem, e não há dinheiro para que sejam criados. Quem vai pagar essa conta é o consumidor — afirma Luiz Eduardo Baptista da Rocha, presidente da Sky, operadora de TV por assinatura via satélite que concentra 26% dos assinantes do país. — O preço vai parar de cair e pode chegar a crescer de 10% a 12%. Será ótimo para o produto nacional e péssimo para o consumidor.
— Enfim, o conteúdo brasileiro terá realmente espaço na televisão. Há canais estrangeiros que já vêm prontos, e isso é danoso para quem produz conteúdo brasileiro — contrapõe Paulo Mendonça, diretor do Canal Brasil, cuja programação é dedicada quase inteiramente a obras nacionais. — E três horas e meia por semana é muito pouco. Falar que vai encarecer o custo não procede. Há um certo alarmismo que não faz sentido.
Outras linhas de fundo setorial
A nova lei também vai possibilitar que se desenvolvam linhas para o Fundo Setorial do Audiovisual, o principal mecanismo de incentivo ao setor no Brasil. Isso será feito a partir da renda gerada por uma nova modalidade de Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), que será aplicada às empresas que administram serviços e equipamentos de transmissão audiovisual. De acordo com Manoel Rangel, a lei não cria uma nova carga tributária: os recursos serão desviados do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL) para a CONDECINE, que já existe. Em 2011, o orçamento do FSA é deR$ 110 milhões. A nova Condecine deve inserir já em 2012, entre R$ 300 e R$ 400 milhões a mais para o fundo.
A verba será utilizada em novas linhas, além das quatro já existentes, para alimentar o mercado, seguindo diretrizes em preparação pela Ancine. Essas linhas deverão atender a itens como incentivo a desenvolvimento de conteúdo, sobretudo em TV, e produções regionais. — As cotas não têm nada a ver com o FSA. Mas o fundo deverá contribuir para que elas sejam cumpridas com produtos de qualidade. Acredito que vamos começar a operar esse novo panorama em junho do ano que vem — diz Rangel.
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